26/01/2011 13:11

ANENCEFALIA E ABORTO

 

ANECEFALIA E ABORTO

Antônio Marcos Batista Silva
Advogado - Pós-Graduando em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG)



Direito Penal / Constitucional
COLISÃO DE PRINCÍPIOS

 

 A possibilidade jurídica de interrupção terapêutica da gravidez de anencéfalos tem sido alvo de intrincadas discussões sociais e, principalmente, jurídicas, cenário onde encontramos as argumentações mais diversas e extremadas, desde os que defendem a completa descriminalização do aborto até os que anseiam pela proibição gerenalizada das práticas abortivas.

            As discussões no âmbito social são impulsionadas pela divagação da concepção teórica do início da vida, cultivada sob uma ótica religiosa, por muitos grupos representantes das mais variadas facções sociais, muitos dos quais defendem seu posicionamento dogmático sobre uma questão polêmica, que merece um tratamento mais amplo que a mera prática argumentativa, uma verdadeira análise hermenêutica sob as mais intensas luzes do direito pátrio.

O âmago das discussões na ceara jurídica transcende a dogmática penal e gira primordialmente em torno do confronto entre os dois princípios constitucionais de maior relevo no ordenamento jurídico, o Direito à Vida e a Dignidade da Pessoa Humana. De um lado a tutela constitucional que assevera a preservação da vida, por alguns, considerada absoluta e incondicional, de outro, proporcionalidade e ponderação, para solidificar a Dignidade da Pessoa Humana, a fim de alcançarmos a concretização do direito através da mitigação dos preceitos fundamentais.

            Destarte, trata-se de tema polêmico e atual, o qual continua causando celeuma na vida acadêmica e na praxe forense, posto não ter sido apaziguado por nossa Corte Suprema, e ainda continua trazendo insegurança jurídica e inquietação social, em detrimento da pluralidade de interpretações e decisões proferidas no âmbito do Poder Judiciário.

            Perante o Supremo Tribunal Federal, o início da polêmica foi provocado pela impetração da ADPF de número 54, em dezesseis de junho de dois mil e quatro, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, com o respectivo pedido liminar, o qual foi concedido em primeiro de julho do mesmo ano pelo ministro Marco Aurélio, permitindo a interrupção terapêutica das gestações em curso. Porém a decisão foi cassada em vinte de outubro também do mesmo ano. Depois da paralisação por mais de três anos, motivada segundo o relator pela falta de maturidade da corte para o julgamento, foi realizada entre os dias vinte e seis de agosto a dezesseis de setembro de dois mil e oito uma audiência pública no âmbito do STF, a qual contou com participação de várias entidades sociais, científicas e médicas, além da convocação de Ministros de Estado. Contudo, ainda aguardamos ansiosamente o pronunciamento final de nossa corte maior com o respectivo julgamento do mérito.

Ressaltamos a proeminente necessidade de atualização de nosso diploma penal, o qual data do ano mil novecentos e quarenta e, apesar de todas as micro-reformas sofridas ao longo dos últimos sessenta e oito anos, encontra-se muito defasado em detrimento de todas as transformações ocorridas no pensamento jurídico contemporâneo e principalmente perante as mutações sociais experimentadas nas últimas décadas.

Àquela época o legislador penal conhecia uma realidade sócio-jurídica completamente distinta dos tempos atuais, pois os avanços tecnológicos e científicos evoluem em progressão geométrica, conquanto a produção e atualização normativa evoluam em escala aritmética. Destarte, em face da profunda defasagem legislativa, aos cultores da ciência jurídica é conferida a possibilidade de adaptação legal do texto através da atividade interpretativa, a qual tem o condão de restaurar e suplementar o alcance e significado da norma jurídica.

            A hermenêutica jurídica é o mais poderoso instrumento de que se valem os magistrados para resgatar o sentido do texto legal, conferindo-lhes não uma mera faculdade, mas um verdadeiro munus público, um poder/dever de aproximar o direito da realidade social, e, de outra forma, levar até a sociedade a concretização do ideal de justiça.

Destarte é injustificada a demora do julgamento por nossa corte suprema, pois, o tempo somente faz piorar a situação das parturientes, que a agonizam mediante a inércia do judiciário.

 

Publicação: 26 de outubro de 2.009 - Jornal Estado de Minas - Caderno Direito e Justiça - Pg. 02.

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