26/01/2011 12:58

BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DE ÉTICA, MORAL, JUSTIÇA E DIREITO.

 

 

BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DE ÉTICA, MORAL, JUSTIÇA E DIREITO.

Antônio Marcos Batista Silva
Advogado - Pós-Graduando em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG)



Direito
TEORIA GERAL DO DIREITO

 

Nos tempos atuais, onde nossa realidade social clama pela pacificação sócio-político-econômico e cultural, talvez mais intensamente que em outras épocas, mister se faz o correto entendimento de predicados tão importantes e extremamente necessários ao convívio e à harmonia coletiva.

Como as relações sociais evoluem constantemente, podemos aferir, sem margem a erros, que as relações hoje experimentadas são muito mais complexas que as relações sociais outrora vividas pelos povos mais antigos. A interação hoje havida entre os indivíduos é de gigantesca proporção e, quanto mais intensa mais conflituosa.

Poderíamos imaginar como exemplo o solitário Robson Cruzoé em sua ilha deserta, desprovido de qualquer companhia. Não haveria a necessidade de fixação de nenhuma norma de conduta, posto tal personagem viver plenamente ao seu livre arbítrio. Porém algo mudaria com a chegada de seu consorte, o dito sexta-feira, com o qual o mesmo passaria a interagir. Após este primeiro contato, paralelamente ao relacionamento, também emerge o conflito, o qual deverá ser conformado de algum modo objetivo, a fim de não tornar as soluções de controvérsias puramente potestativas.

Desta forma, devemos transportar este conceito ao tipo de sociedade a que pertencemos. A partir das interações entre os indivíduos surge a conflitualidade, em detrimento da oposição dos mais diversos interesses de cada ente, cada qual primando pela sua sobrevivência e plena satisfação material[1] (obter o máximo de conforto com o mínimo de esforço).

Para que os indivíduos percebam maior segurança em seus relacionamentos, convencionam entre si determinadas regras que estabeleçam possíveis formas de solução a suas controvérsias, bem como a punição a certas condutas consideradas lesivas a sua vida coletiva. Sem tais regramentos as relações sociais seriam completamente instáveis, pois, partindo da subjetividade do ideal de justiça encontrado em cada ente, nunca poderíamos prever com certeza o comportamento de um indivíduo ao confrontar-nos seus interesses.

O problema em foco será discernir entre as várias espécies de regras estabelecidas pela sociedade, delimitando assim o campo de atuação da Ética, Moral, Justiça e Direito.

CONCEITOS

Ética

“Palavra originada diretamente do latim ethica, e indiretamente do grego ηθική (Ethiké), é um ramo da filosofia, e um sub-ramo da axiologia, que estuda a natureza do que consideramos adequado e moralmente correto. Pode-se afirmar também que Ética é, portanto, uma Doutrina Filosófica que tem por objeto a Moral no tempo e no espaço, sendo o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana”.[2]

“Éthos, em grego (...) quer dizer costume. Nesse sentido, a ética seria uma teoria dos costumes. Ou melhor, a ética é a ciência dos costumes”. [3]

“A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma específica de comportamento humano”.[4]

Além de consistir em um ramo específico das ciências, também como prática, nos reporta a uma especial forma de agir: a conduta ética que “consiste na atuação concreta e conjugada da vontade e da razão, de cuja interação se extraem resultados que se corporificam de diversas formas”. [5]

Salutar importância tem a distinção entre a ética e a moral. A segunda consiste no objeto de estudo da primeira enquanto ciência e, também pode ser considerada seu substrato enquanto prática, pois toda conduta ética será necessariamente moral, porém nem toda conduta moral será considerada ética. A ética se ocupa de postulados gerais, advindos da consciência coletiva[6], segundo Durkheim, tal consciência consiste na síntese de todas as consciências individuais de um dado grupo social em tempo e espaço determinados, consistindo em mais que uma simples soma, um produto novo oriundo da contraposição destas consciências.

Moral

O termo moral é derivado do latim morale, que significa relativo aos costumes. Pode ser definido também como a aquisição do modo de ser conseguido pela apropriação ou por níveis de apropriação, onde se encontram o caráter, os sentimentos e os costumes. Em alguns dicionários entende-se que moral é parte integrante de um conjunto de regras dos costumes e prescrições a respeito decomportamentos e condutas, que podem ser consideradas válidas, (...), quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupos ou pessoa determinada, estabelecidas e aceitas pelas comunidades humanas durante determinados períodos de tempo.(Aurélio Buarque de Hollanda)”.[7]

Como supra mencionado, moral e ética não são termos sinônimos, como por muitas vezes os empregamos. A moral está intimamente relacionada ao individual, ao pessoal, ao particular, conquanto a ética se ocupa de problemas universais, ou seja, a conduta ética está integralmente contida no campo moral, porém a moral é mais extensa e não possui qualquer compromisso de universalidade. “Se na vida real um indivíduo concreto enfrenta uma determinada situação, deverá resolver por si mesmo, com a ajuda de uma norma que reconhece e aceita intimamente, o problema de como agir de maneira a que sua ação possa ser boa, isto é, moralmente valiosa. Será inútil recorre à ética com a esperança de encontrar nela uma norma de ação para cada situação concreta”.[8]

Para o Direito Moral é um conjunto de regras no convívio. O seu campo de aplicação é maior do que o campo do Direito. Nem todas as regras Morais são regras jurídicas. O campo da moral é mais amplo. A semelhança que o Direito tem com a Moral é que ambas são formas de controle social”.[9]

Justiça

A palavra Justiça deriva do vocábulo latino justum, aquilo que é justo ou conforme a justiça.[10] No dizer de Ulpiano, renomado jurista romano “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito”.[11] O que também ficou consagrado em seus “iuris praeceptahoneste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere”  [12] – viver honestamente, não lesar a ninguém e dar a cada um aquilo que é seu – regras que consistem em ditame universal para a conceituação da justiça.

Importante ressaltar acerca do vocábulo Justiça, talvez o mais importante predicado deste singelo estudo, a existência de seu caráter dúbio. O justo sob um prisma individual, subjetivo, corresponde aos anseios dos indivíduos sob a égide moral, ou seja, aquilo que parece ser justo a uns pode não contentar a outros tantos. Por muitas vezes encontrar a solução mais palpável à resolução de um conflito torna-se um contra-senso, pois qualquer decisão poderia confrontar à psique do indivíduo (considerado em si mesmo), o que não reflete propriamente um ideal coletivo, ou melhor, social. De outra forma, lidamos com um conceito objetivo da justiça, adentrando no terreno do justo coletivo. Da mesma forma que a ética diferencia-se da moral, a justiça também o faz, não devendo ser a expressão isolada de anseios individuais, mais uma produção advinda da consciência coletiva. A justiça não deve atender a uma vontade individualmente, nem tão pouco realizar plenamente os desejos de todos, porém deve pautar-se em um senso coletivo, oriundo de uma determinada sociedade em lugares e épocas também determinados.

Direito

Tal vocábulo tem origem em um termo do baixo latim: directum ou rectum, que significa direito ou reto. Rectum ou directum é o que é conforme uma régua. Também encontramos similares em todas as línguas neo-latinas e, de forma geral, nas línguas ocidentais modernas: Droit (francês); Diritto (italiano); Derecho (espanhol); Recht (alemão); Right (inglês) e Dreptu (romeno). [13]

O vocábulo direito em nosso idioma possui uma significação análoga, ou seja, se aplica a diversas realidades que apresentam entre si certa semelhança. Podemos interpretá-lo sob os seguintes prismas: norma, faculdade, ideal de justiça, ciência – arte e fato social.

Norma

“O Direito é um conjunto de preceitos e regras, a cuja observância podemos obrigar o homem”.[14]

Sob a perspectiva de norma jurídica o conceito de Direito é extremamente restrito, passando a representar tão somente o conjunto de tomos elencados nos códigos ou leis esparsas, que depois de estabelecidos e lavrados, passariam a perceber vida própria, isto sob uma ótica extremista como a de Hans Kelsen.[15]

Tal pensamento é comumente encontrado em nosso meio sob forma mais moderada e até mesmo mista, sendo até mesmo correto afirmar sua predominância por entre as várias acepções possíveis de Direito, através dos ensinamentos da escola positivista[16].

Faculdade

“O Direito considerado na vida real (...) nos aparece como um poder do indivíduo”.[17]

Sob essa perspectiva o Direito é considerado uma faculdade do indivíduo de fazer ou não valerem seus interesses. Recebe também a denominação de Direito subjetivo, pois denota essencialmente a pessoa, sujeito do Direito, que poderá exercê-lo ou não, mediante seu livre arbítrio, mas desde que, legalmente positivado.

Evidenciamos sua posição complementar ao Direito mencionado anteriormente, de cunho objetivo, o qual concerne aos instrumentos para que os indivíduos possam exercer ou não sua vontade. É o que chamamos de facultas agendi (Direito-faculdade), em oposição à norma agendi (Direito-lei).

“Direito é a exposição sistematizada de todos os fenômenos da vida jurídica e a determinação de suas causas”.[18]

Também usado para menção a um ramo específico do saber, corresponde ao estudo jurídico. Para alguns, como na escola positivista, seu objeto de estudo restringe-se à norma jurídica, desprovida de quaisquer juízos axiológicos, ou seja, os valores atribuídos ao legislador na sua criação deveriam ser completamente desprezados. Outros já entendem tratar-se de um objeto mais amplo, como o apontado por Miguel Reale em sua teoria tridimensional, onde fato, valor e norma corresponderiam à tríade essencial da ciência jurídica.[19]

“Direito é a arte do bom e do justo” (just est ars boni et aequi).[20]

Sem nos atermos somente ao lado da praxis, percebemos no fenômeno jurídico algo de muito extraordinário, transcendendo à sua dogmática ou mesmo aos seus próprios princípios. Na atualidade nos deparamos à rápida mudança de paradigmas, onde os gostos, as práticas, os ritos e a cultura de maneira geral são constantemente banalizados. Por tratar-se de um poder extremamente conservador, como de fato é o poder judiciário, talvez o mais rígido de todos os poderes, percebemos ainda nos dias atuais toda a herança advinda da tradição jurídica, seja nas práticas argumentativas, nos ritos solenes que compreendem os tribunais, nas próprias vestes e expressões utilizadas neste cenário. Devemos reconhecer que tais características representam um verdadeiro patrimônio cultural, o qual merece nosso respeito e admiração por ter ultrapassado séculos e sobrevivido em nossa época.

“Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu Direito”.[21]

A interpretação do termo sob o ideal de justiça pode ser encarada como o justo objetivo, representando o bem devido a outrem por uma injustiça praticada, ou por uma necessidade de justiça. Significa a ordem segundo a igualdade, onde cada pessoa não deve receber mais que lhe pertence, existindo um equilíbrio constante entre as partes.

Sob a ótica do justo encontramos a essência material e determinante do Direito, visto termos tratado de aspectos puramente formais, como os instrumentos de sua aplicação, enquanto norma, da vontade do sujeito de sua ação, enquanto faculdade, o seu enquadramento no mundo do conhecimento, enquanto ciência e de sua expressividade e tradição conquanto considerado uma forma de arte.

“O Direito é um conjunto de regras obrigatórias, que determinam as relações sociais, tal como a consciência coletiva do grupo as representa a cada momento”.[22]

Sob este prisma devemos considerar a priori, a despeito das correntes jusnaturalistas mais extremistas, a necessidade de um certo requisito primário a existência do fenômeno jurídico, que consiste na própria sociedade (ubi jus, ibi societas) onde há direito, há sociedade.

Seguindo a ótica dos contratualistas[23] encontramos no Direito a expressão máxima do ideal de justiça coletiva, alcançada a partir da centralização do poder em um ente maior que seus componentes, necessário a sua convivência harmoniosa e regulador de suas condutas, que constitui o Estado. “Tanto mais racionais sejam as relações sociais, mais facilmente poderão ser expressas sob a forma de normas”.[24]

CONCLUSÃO

”Non ut ex regula jus sumatur, sed ex jure, quod est, regula fiat”. (Não é da regra que emana o Direito, mas do Direito (jus) é que se faz a regra).[25]

Estando o objeto de estudo do direito relacionado à norma de conduta, advinda da síntese de valores sociais vigentes em uma determinada época e por uma determinada sociedade, temos que a primazia do Direito constitui alcançar um ideal máximo de justiça, não individual, mas, uma justiça objetiva, imanente da sociedade, conforme esta a entenda e a processe a cada momento.


[1] Karl Marx: Materialismo histórico in QUINTANEIRO, Tânia. Um Toque de Clássicos. Editora UFMG.

[2] www.wikipedia.org

[3] Nalini in BITTAR, Eduardo C.B. Curso de Ética Jurídica. Editora Saraiva.

[4] BITTAR, Eduardo C.B. Curso de Ética Jurídica. Editora Saraiva.

[5] BITTAR, Eduardo C.B. Curso de Ética Jurídica. Editora Saraiva.

[6] Émile Durkheim in QUINTANEIRO, Tânia. Um Toque de Clássicos. Editora UFMG.

[7] www.wikipedia.org

[8] VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Editora Civilização Brasileira.

[9] www.wikipedia.org

[10] MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. Editora Revista dos Tribunais.

[11] Ulpiano in MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. Editora Revista dos Tribunais.

[12] Ulpiano in VENOSA, Sílvio de Saldo. Direito Civil – Parte Geral. Editora Atlas.

[13] MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. Editora Revista dos Tribunais.

[14] Aubry e Rau, in MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais.

[15] MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais.

[16] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Editora Ícone.

[17] Savigny, in MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais.

[18] Hermann Post, in MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais.

[19] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. Editora Saraiva.

[20] Celso, in MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais.

[21] Ulpiano, in MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais.

[22] Lévy-Bruhl, in MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais.

[23] Thomas Robbes, John Locke, Jean Jacques Rosseau, etc.

[24] QUINTANEIRO, Tânia. Um Toque de Clássicos. Editora UFMG.

[25] Ulpiano, in MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. Editora Revista dos Tribunais.

 

Publicação: Versão compacta - Título: Ética, Moral, Justiça e Direito - 19 de janeiro de 2.009 - Jornal Estado de Minas - Caderno Direito e Justiça - Pg. 02.

 

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